Recentemente, enviamos às famílias de nossa comunidade escolar uma pesquisa. O tema era a maneira pela qual os familiares de nossos alunos comemoravam as festas de final de ano, especialmente o Natal.
O objetivo deste texto é falar não apenas sobre a forma como a educação montessoriana aborda as datas comemorativas e seus personagens, mas também da importância de aproveitarmos a data para refletirmos sobre valores tão importantes elucidados nas pesquisas como solidariedade, empatia, amor e união.
Jean Jacques Rousseau, filósofo, pedagogo e uma das grandes influências de Maria Montessori afirmava sempre que para atingir o sucesso ao ensinar, seja no ensino da cidadania para o adulto, quanto na preparação da criança para a futura cidadania, é preciso respeitar o costume, a cultura, bases fundamentais para a legislação, a convivência e, claro, a educação. Concordamos com o filósofo francês, e acreditamos que é muito importante respeitar a tradição na qual a criança está inserida.
A própria Maria Montessori foi uma grande defensora do multiculturalismo e da importância da valorização da cultura e das diferenças culturais para o estabelecimento da paz: conheceu de sua Itália natal, cheia de peculiaridades riquezas culturais até a vibrante e colorida Índia de Gandhi - onde viveu durante anos - passando por diversos outros países.
E além da questão cultural, vemos em datas como o Natal uma dupla oportunidade. Em primeiro lugar, a chance de destacar os valores positivos da data, e utilizá-los para ensinar e reforçar conceitos fundamentais, como estar presente - e não somente ganhar presente - valorizar o amor e a amizade, o respeito pela diversidade. A figura do Papai Noel carrega em si (tanto em sua versão histórica - o bispo São Nicolau - quanto na ficcional) uma aura de desprendimento e generosidade, que pode ser aproveitada para mostrar aos pequenos o real significado do Natal, festa que mescla origens cristãs e não cristãs para afirmar a união e o amor ao próximo.
Em segundo lugar, como fazemos no caso de outros personagens imaginários, é possível usar a figura do “bom velhinho” para introduzir - pouco a pouco e respeitando o tempo da criança - o senso crítico e dar um estímulo ao início da distinção entre o que é ou não real. A partir de questionamentos simples, podemos incentivar a natureza curiosa e questionadora dos pequenos. Perguntas simples, como por exemplo: “como você acha que o papai noel consegue entregar todos os presentes para as crianças do mundo todo?” aguçam a curiosidade e colocam a mente infantil para trabalhar. Além disso, podemos explorar as diferenças culturais, indagando a respeito de outras culturas, se e como celebram o Natal: “existe natal na China?”, “como é o Papai noel nos pa&i acute;ses africanos?”.
Indo além, como toda lenda, a do Papai Noel surgiu em um local específico. Assim, o Natal também é momento para ensinar os conteúdos didáticos da educação cósmica, como história, geografia e as ciências em geral: “por que neva tanto no Pólo Norte?”, “O que são as renas que puxam o trenó?”, “Quando surgiu o Natal?”, “Por que faz calor no Natal brasileiro, e neva no Natal norte americano?” São alguns dos questionamentos possíveis.
Assim, longe de rejeitarmos completamente a ideia das tradições culturais natalinas, vemos nelas uma oportunidade para aproveitar o paradigma cultural de nossas crianças como possibilidade de ensino, não apenas na forma de conteúdo, mas também em relação ao direcionamento ético e ao desenvolvimento de valores universalmente considerados positivos.
Portanto, embora sigamos os princípios montessorianos fundamentalmente, e não comemoremos datas religiosas ou enfatizemos a existência real de personagens fictícios, entendemos a importância destas comemorações e personagens de um ponto de vista cultural, e procuramos separar com delicadeza e carinho a realidade e a fantasia. Sempre tendo em mente que a comunidade escolar é o alicerce de uma escola democrática, participativa e plural, respeitamos as tradições de todos os membros de nosso entorno, e procuramos fazer delas não um entrave, mas um facilitador no processo pedagógico.
Com tantas oportunidade de aprender, o final de ano se revela um momento crucial para toda nossa comunidade: famílias, alunos, professores e demais colaboradores. E além de aprender, compreendemos que, seja qual for a matriz cultural ou tradição, é o momento de celebrar a chegada de um novo ciclo. Boas festas!