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Adultização e excesso de atividade: o que estamos fazendo com o tempo de nossas crianças?

Montessori

Estimular as crianças desde o nascimento é algo de fundamental importância, como sabemos atualmente. Cada vez mais, pais e educadores tem como foco proporcionar aos pequenos uma quantidade imensa de estímulos, que vão desde a escolha de métodos educativos até a realização de inúmeras atividades extra curriculares. O resultado nem sempre está de acordo com a proposta - validada pela neurociencia e tão aplicada dentro da metodologia montessoriana - de oferecer condições ideais para o desenvolvimento infantil em um ambiente rico em opções e feito sob medida para alavancar o desenvolvimento infantil. O que vemos, muitas vezes, são crianças com "agendas" tão lotadas quanto as de seus pais (ou até mais, em certos casos), sendo expostas precocemente ao mundo adulto de responsabilidades e obrigações, e mais que isso: convivendo com uma realidade inadequada para sua faixa etária, emulando o cotidiano adulto até mesmo através de comportamentos que não condizem com a infância, como o uso de roupas mais coerentes com a adolescência e a imitação de comportamentos como o "namoro". Muitas crianças adquirem até mesmo um linguajar adultizado, recheado de expressões cujo significado as crianças sequer deveriam conhecer.  Esse excesso de atividades e a naturalização dos comportamentos adultizados terminam por colocar em segundo plano o verdadeiro "trabalho" da criança, que de acordo com Montessori, é o brincar, que permite desenvolver a curiosidade e estimular a descoberta. Se damos a nossos filhos tanta informação e responsabilidades, como esperar que eles descubram seu lugar no mundo, e não apenas busquem ocupar, no futuro, o lugar de seus pais?

 

Agendas lotadas se traduzem em estresse e ansiedade, o que não colabora de modo algum para um desenvolvimento cognitivo saudável, que exige que a criança tenha seu tempo e faça as coisas do seu jeito.  O tempo livre, os momentos de lazer e ludicidade, são tão importantes para a criança quanto para os adultos, e o ócio, ao contrário da conotação negativa que nossa sociedade lhe atribui, é fundamental para desenvolver a capacidade de reflexão. Expor crianças aos fatos do cotidiano da forma como se apresentam, crus e diretos, também não é saudável. É preciso filtrar a informação, e decidir como - e se - ela será apresentada aos pequenos. Muitos pais acabam sobrecarregando as crianças com informações sobre política, conflitos e fatos que não apenas não fazem parte do cotidiano infantil, mas que também podem prejudicar a formação ética da criança, já que essas informações podem ser facilmente compreensíveis pelos adultos, mas não pela mente em formação. Assim, o adulto tem o dever de selecionar desde o conteúdo midiático ao qual a criança será exposta até o tipo de conversa que ela pode ou não ouvir, e de que discussões pode participar.

 

Estabelecer responsabilidades e deveres incompatíveis com o universo infantil é algo prejudicial, mas muitas vezes esse processo ocorre sutilmente, sem que o adulto se dê conta. Um bom exemplo é a expectativa. Temos expectativas diversas sobre nossos filhos, que vão desde a afirmação de características que desejamos que desenvolvam (como no clássico caso do pai que pergunta incessantemente sobre os "namoros" do filho pequeno, ou sobre sua evolução em determinado esporte, gerando uma cobrança desnecessária) até aprendizados que queremos ver contemplados. A pressa na alfabetização, a cobrança sobre a compreensão da matemática, o desejo repetidamente manifestado acerca de bons resultados no balé ou nas artes marciais... tudo isso gera expectativa que se traduz em estresse tanto para adultos quanto para crianças. Afinal de contas, cada um tem seu próprio tempo, não é mesmo? Assim, o importante é observar e respeitar o tempo da criança, e também o nosso próprio tempo.

 

Devemos observar o ritmo das crianças e também o nosso, procurando conciliar ambos  e adequar os horários e atividades ao seu funcionamento. O tempo livre  - o período de ócio, tão importante e valorizado pelas atuais descobertas científicas e também pelos filósofos de todos os tempos - é pertinente e muito benéfico. Não se preocupe em preenchê-lo, deixe que a atividade surja espontaneamente a partir da "inatividade" (as aspas são necessárias, pois nunca estamos, de fato, inativos: o pensamento está sempre presente). O tempo livre é, em si mesmo, uma parte importante da vida. Deixe que seu filho escolha o que quer fazer, mesmo que a escolha seja "não fazer nada". É claro que devemos propor atividades e modera-las de acordo com as regras que estabelecemos, mas o exagero é prejudicial. 

Respeite a etapa na qual a criança está: não há motivo para se preocupar com "namoro", quando se está no momento de desenvolver a coordenação motora fina. Não precisamos nos preocupar com política ao mesmo tempo em que aprendemos a nos vestir sozinhos. Deixe que a criança descanse. Não seja refém das expectativas. Dedique seu tempo livre a interagir com seus filhos, e faça isso de forma natural, não é preciso que seja um compromisso. É preciso que seja um prazer. Não sobrecarregue a criança em função de estudos e de objetivos traçados pelos adultos. Isso também ajuda a não sobrecarregar a si mesmo. Busque o equilíbrio, a vida saudável, ocupe o tempo sem exigir demais de si, e não exija demais da criança: ela tem tempo de sobra. Uma vida inteira a espera, para realizar tudo o que ele quiser e puder!